domingo, 27 de janeiro de 2013

A Cultura do Mosteiro - módulo III


OBJETIVOS

1. Situar cronologicamente a Cultura do Mosteiro.

2. Reconhecer e caracterizar o contexto geográfico da Cultura do Mosteiro.

3. Compreender os princípios doutrinários de S. Bernardo de Claraval e caracterizar a sua “reforma cisterciense”.

4. Descrever a vida monástica e avaliar a importância do Mosteiro.

5. Compreender as razões e o significado da Coroação de Carlos Magno e caracterizar a ação cultural do Imperador Cristão do Ocidente.

6. Justificar a designação de “guardiães do saber” atribuída aos monges da Idade Média.

7. Compreender o poder da escrita e avaliar a importância da Iluminura na Idade Média.

8. Explicitar a origem, as características e as funções do Canto Gregoriano na liturgia cristã.

9. Caracterizar sucintamente as artes medievais – as Artes Paleocristã, Bizantina, Carolíngia e Otoniana.

10. Caracterizar a Arte Românica:

a)a arquitectura – a igreja, o mosteiro, o castelo;

b)a escultura e a pintura – missão, programas temáticos, características.

11. Caracterizar a Arte Românica em Portugal.

12. Caracterizar a Igreja de S. Pedro de Rates – historial, estrutura arquitetónica, localização e tipo de decoração.
 
 
 








 
 
        Idade Média: Período histórico compreendido entre os séculos V e XV – entre a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, e a  tomada de Constantinopla pelos Turcos Otomanos (queda do Império Romano de Oriente), em 1453.


 
          No século V, grandes vagas de Germanos espalharam-se pela Europa Ocidental, aproveitando-se da debilidade do Império do Ocidente e pressionados por outros povos, particularmente pelos Hunos. Por toda a parte, os invasores germânicos causaram devastações e provocaram o pânico entre os habitantes.
          Após as invasões, a Igreja tornou-se o único fator de unidade numa Europa fragmentada por inúmeros reinos bárbaros, apoiando e protegendo as populações e aproveitando as estruturas administrativas centrais e locais dos romanos para congregarem os fiéis.
          A sua ação ultrapassou em muito as obrigações religiosas, assumindo um importante papel civilizacional, ensinando técnicas agrícolas, suavizando os costumes e conservando e desenvolvendo as artes e letras.
 
          O clero gozava de um grande poder e riqueza. Possuía grandes propriedades, recebia a dízima de todos os flés, não pagava impostos e, por vezes, beneficiava de doações feitas por alguns desses fiéis que, na hora da morte, deixavam bens à Igreja para que lhes fossem perdoados os pecados e, assim, salvarem a alma do Inferno.
          Possuía também um enorme prestígio cultural, por ser a ordem social mais instruída. Para interpretar a palavra de Deus, transmitida na Bíblia e nos textos sagrados, os seus membros precisavam de saber ler e escrever. As escolas e bibliotecas destinavam-se, sobretudo, aos membros do clero. Por essa razão, localizavam-se nos mosteiros. Os clérigos também davam assistência aos pobres e hospedagem a quem viajasse em peregrinação. Cuidavam igualmente dos doentes, elaboravam medicamentos a partir de plantas, criando as primeiras farmácias e promoviam as artes e o saber, sobretudo relacionados com a região. Nos mosteiros, os monges copistas encarregavam-se de copiar e ilustrar a Bíblia e outras obras, algumas delas de escritores da Antiguidade, preservando assim uma importante herança cultural. Também desenvolveram as técnicas agrícolas.
 
 
"Esta longa Idade Média é a do Cristianismo dominador, um Cristianismo que é simultaneamente uma religião e uma ideologia e que mantém (...) uma relação muito complexa com o mundo feudal, contestando-o e justificando-o ao mesmo tempo" (Jacques Le Goff, 1994, p. 38): só a força deste poder totalitariamente induzido nas multidões dominadas de trabalhadores permitiu ultrapassar as imensas dificuldades da infertilidade das terras e da desgastada cultura que o caduco belicismo dos últimos séculos do Império Romano havia deixado a estes homens.
"Um só reina no reino dos céus, Aquele que lança o raio; é normal que só um igualmente, sob aquele, reine sobre a terra." (Georges Duby, 1993, p. 21): a necessidade medieval de estruturação social encontrada na monarquia e a aceitação da administração territorial senhorial, o feudalismo, tem tradução nas sagradas escrituras.
           Como refere Georges Duby em “O Tempo das Catedrais” (1993), o homem medieval foi viajante: por vocação – "Na sua grande parte, a população do Ocidente continuava a ser então naturalmente nómada, e esse era particularmente o caso de todos os seus chefes (...). Viviam na estrada, sempre a cavalo, e só interrompiam por um momento as suas peregrinações no coração das estações chuvosas"; ou por inevitabilidade – "É preciso acrescentar que esta terra dividida não conhecia verdadeiras fronteiras. Todo o homem, desde que saía da aldeia paterna, sabia-se estrangeiro em toda a parte, logo suspeito, ameaçado (...). A aventura começava à sua porta, mas o perigo não mudava de intensidade, quer ele ficasse a dois passos ou fosse para as regiões mais afastadas do Mundo" (p. 18).
 
A Europa no início do século VI
 
          Enquanto se constituem vários reinos bárbaros na parte ocidental do mundo romano mantém-se o Império Romano do Oriente, com capital em Constantinopla, o qual se tinha separado, em 395 do Império Romano do Ocidente. Resistiu até 1453, data em que Constantinopla foi tomada pelos Turcos - data que marca o fim da Idade Média.
 
          Passado o Ano Mil, o clima de paz possibilitou o regresso aos campos e a renovação das técnicas e instrumentos agrícolas ao mesmo tempo que se produziam novos arroteamentos. Verificou-se a reanimação do comércio e o renascer da vida urbana, provocada pelo crescimento demográfico.
         As cidades medievais tornaram-se símbolos do renascimento europeu, abrigando nas suas muralhas não só as grandes feiras como as Colegiadas e Universidades, símbolos da renovação cultural do Ocidente.
         Desta feita, a Igreja reforçou o seu estilo pastoral, incentivando as peregrinações aos lugares santos ( Terra Santa, Antiago de Compostela e Roma) e organizando as Cruzadas, importantes movimentos religiosos e militares geradores da reaproximação da Europa com o mundo oriental e com África.


         Os sacerdotes da Igreja dividiam-se em duas grandes categorias: clero secular (aqueles que viviam no mundo fora dos mosteiros), hierarquizado em padres, bispos, arcebispos etc., e clero regular (aqueles que viviam nos mosteiros), que obedecia às regras da sua ordem religiosa: beneditinos, dominicanos, etc.

          No ponto mais alto da hierarquia eclesiástica estava o papa, bispo de Roma, considerado sucessor do apóstolo Pedro. Nem sempre a autoridade do papa era aceite por todos os membros da Igreja, mas em fins do século VI ela acabou por se afirmar, devido, em grande parte, à atuação do papa Gregório  Magno.


 
Criação das ordens religiosas
      Desde o século IV, que muitos crentes se isolavam do mundo para viverem sozinhos ou em mosteiros, isto é comunidades que se dedicavam exclusivamente ao serviço de Deus.
S. Bento entrega a Regra
Iluminura medieval
 
 
 
         Alguns mosteiros tornaram-se mais conhecidos. As suas normas de vida (a regra) foram adotadas por outras comunidades, como aconteceu corn a regra de S. Bento de Núrsia (Itália), isto é, a regra beneditina, que se espalhou também na Inglaterra e em França e, mais tarde, na Península Ibérica.
 
 
 
 

 
 
 
        No século XI, algumas destas comunidades começaram a estabelecer laços entre si e a formar ordens religiosas. Segundo a regra beneditina, os monges deviam dedicar o seu tempo oração, ao estudo e ao trabalho manual, incluindo, se necessário, o trabalho nos campos.
       Por estarem sujeitos a uma regra (em latim, regula) chama-se clero regular aos membros do clero que vivem nos mosteiros ou que têm uma organização própria em que o abade é a autoridade máxima. Ao restante clero, que tem por missão orientar a vida religiosa das populações, chama-se clero secular .




         
        Os mosteiros deviam ser autossuficientes, por isso os monges cultivavam os seus alimentos e produziam os seus utensílios, para além de rezarem, copiarem livros, ensinarem e prestarem assistência a pobres, doentes, peregrinos e à população em geral. Os mosteiros eram centros de vida cristã, polos de cultura e importantes focos de dinamização da economia, pois ensinavam à população novas técnicas agrícolas, contribuindo para a reconstrução económica das regiões da Europa.
        A cristianização do mundo bárbaro fez da religião um fator de unidade da Europa, num território que estava politicamente dividido.

 
A importância da Regra de S. Bento

          Segundo Gregório Magno, seu único biógrafo, São Bento, filho de ricos proprietários rurais, estudou em Roma, abandonando esta cidade “corrompida” para se juntar a uma comunidade asceta. Três anos depois, fez-se anacoreta em Subiano, onde um grupo de eremitas o escolhe para chefe, logo o rejeitando pela sua disciplina e rigor excessivo, uma vez que para alcançar a verdade em Deus, não poupava sacrifícios - sujeitando-se a violentas mortificações e auto flagelações, que o tornaram muito doente.
         São Bento voltou ao isolamento, mas, pouco depois, formou uma comunidade constituída por 12 pequenos mosteiros. Em 529, transferiu-se para Montecassino, onde escreveu a sua Regra ( ou regulamento da Vida Comunitária). Esta está escrita em latim vulgar e teve como fontes a Sagrada escritura e os escritos de vários santos da sua devoção.
          A Regra de São Bento dominou o Ocidente até ao século XII e a ação civilizacional da sua congregação – a Ordem Beneditina – foi de tal modo importante que, em 1964, o Papa Paulo VI o declarou solenemente, patrono da Europa.
 
          Em consequência da instabilidade provocada pelas invasões fundaram-se mosteiros um pouco por toda a Europa, sobretudo nas zonas rurais, onde proporcionavam refúgio às populações e funcionavam como centros agrícolas e culturais.






           A vida monástica, no entanto, só foi verdadeiramente organizada no início do século VI, quando o monge italiano Bento de Núrsia estabeleceu as normas (a regra) a que devia obedecer o dia-a-dia dos monges: fundou a primeira grande ordem religiosa do Ocidente Europeu, a Ordem Beneditina. Segundo a regra beneditina, os monges deveriam dedicar o seu tempo à oração, ao trabalho nos campos e nas oficinas, ao ensino nas escolas, à cópia de manuscritos, ajudar os pobres, a tratar de doentes e acolher peregrinos.
 
 
          Os mosteiros beneditinos tornaram-se as colunas do cristianismo ocidental, onde todos podiam aceder à vida monástica, fazendo do mosteiro uma "escola do serviço do Senhor", onde se observa em primeiro lugar o silêncio, condição para a escuta da "Palavra de Deus", na qual se pratica a obediência e a humildade numa vida marcada pelo trabalho, a oração e a "lectio divina", a leitura meditad a daPalavra de Deus.

A regra beneditina

          A ociosidade é inimiga da alma. Por isso, os irmãos devem ocupar-se, em certas horas, com o trabalho manual e, noutras, com a leitura das coisas divinas. Os irmãos devem sair pela manhã para trabalharem no que for necessário, desde a hora prima1 até à quarta hora. Da quarta até à sexta hora entregar-se-ão à leitura. Depois da sexta hora, após se terem levantado da mesa, descansarão nas suas camas em completo silêncio.
          Depois de rezarem, à nona2 voltarão ao trabalho que tiver de ser feito, até às Vésperas3. Se a necessidade exigir que os irmãos façam eles próprios o trabalho da ceifa, não deverão afligir-se com isso, porque é assim que serão verdadeiros monges, vivendo do trabalho das suas mãos.

Regra de S. Bento
 
(1) Prima — seis horas da manhã; é a partir dessa hora que são contadas todas as horas da vida do monge. (2) Nona — orações rezadas em conjunto às 15 horas (hora nona). (3)Vésperas — orações rezadas ao fim da tarde.

 

          Os monges trabalhavam nas bibliotecas, nas oficinas e nos campos, onde desenvolveram técnicas avançadas, tornando cultiváveis bosques e terrenos baldios, permitindo a autonomia e a autossuficiência dos mosteiros e servindo de exemplo aos camponeses. Os monges beneditinos foram os principais responsáveis pela evangelização do Ocidente, tendo tido um importante papel civilizacional da Europa.
 
A vida num Mosteiro Medieval
“Não era amena, mas tinha as suas compensações"
Nos mosteiros beneditinos de toda a Europa medieval, os monges eram arrancados ao minguado conforto dos seus colchões de palha e ásperos cobertores pelos sineiros, que os despertavam às 2 horas da madrugada. Momentos depois, dirigiam-se apressadamente, ao longo dos frios corredores de pedra, para o primeiro dos seis serviços diários na enorme igreja (havia uma em cada mosteiro), cujo altar, esplendoroso na sua ornamentação de ouro e prata, resplandecia à luz de centenas de velas. Esperava-os um dia igual a todos os outros, com uma rotina invariável de quatro horas de serviços religiosos, outras quatro de meditação individual e seis de trabalhos braçais nos campos ou nas oficinas. As horas de oração e de trabalho eram entremeadas com períodos de meditação; os monges deitavam-se geralmente pelas 6.30 horas da tarde. Durante o Verão era-lhes servida apenas uma refeição diária, sem carne; no Inverno, havia uma segunda refeição para os ajudar a resistir ao frio.
Era esta a vida segundo a Regra de S. Bento, estabelecida no século VI por Bento de Núrsia, o italiano fundador da Ordem dos Beneditinos, canonizado mais tarde. S. Bento prescrevia para os monges uma vida de pobreza, castidade e obediência, sob a orientação monástica de um abade, cuja palavra era lei. Luís, o Piedoso, imperador carolíngio entre 814 e 840, encorajou os monges a adoptarem a Regra de S. Bento.
E, por volta de 1000, a regra seguida praticamente em todos os mosteiros da Europa Ocidental inspirava-se na dos Beneditinos, tal como muitos dos edifícios se baseavam no "modelo" delineado para o Mosteiro de St. Gallen, na Suíça, em 820.
A Regra de S. Bento foi formulada quando este era abade de Monte Cassino (no Sul de Itália), abadia fundada em 529 e que continua a ser um dos grandes mosteiros do Mundo. Bento foi o seu primeiro abade, e foi ele quem estabeleceu o modelo de auto-suficiência advogado pelas primitivas regras monásticas — dependência total dos próprios campos e oficinas — que orientou durante séculos os mosteiros da cristandade ocidental.
Em todos os antigos mosteiros beneditinos, a vida era totalmente comunitária. A rotina diária centrava-se naquilo a que S. Bento chamava "trabalho de Deus" — demorados ofícios de complexidade crescente. Tudo o resto era secundário. O trabalho manual que a regra estipulava existia não só para fornecer aos frades alimentação e vestuário e satisfazer-lhes outras necessidades, como também para evitar a sua ociosidade e lhes alimentar a alma mediante a disciplina do corpo. Posteriormente, quando as abadias enriqueceram, sobretudo através de doações de fiéis devotos, os dormitórios comunitários foram substituídos por celas individuais; e foram contratados trabalhadores para cuidarem dos campos, o que permitiu a muitos monges dedicarem-se a outras actividades, nomeadamente o estudo, graças ao qual a Ordem de S. Bento viria a ser tão justamente célebre.
Nos seus jardins murados, os monges cultivavam ervas medicinais; num dado momento— ninguém sabe quando —, ocorreu-lhes a ideia de adicionar algumas ervas à aguardente, inventando assim o licor beneditino. Pode parecer estranha esta associação da vida monástica com o luxo das bebidas alcoólicas, mas o vinho foi sempre uma bebida permitida aos Beneditinos. Ligava bem com as suas refeições simples, constituídas essencialmente por pão, ovos, queijo e peixe. Embora a carne fosse proibida nos primeiros séculos, posteriormente algumas abadias adicionaram aos alimentos consumidos aves de capoeira e de caça, uma vez que o fundador não as mencionara expressamente entre as vitualhas proibidas. Em todas as refeições, porém, reinava o silêncio. Deste modo, a Regra de S. Bento, posto que severa sob muitos aspectos, conseguiu atingir um certo equilíbrio entre a ascese e o comprazimento.
Bento, obviamente, conhecia a natureza humana. Embora os monges fossem obrigados a levantar-se muito cedo, aconselhava-os a "encorajarem-se uns aos outros com indulgência e a atenderem às desculpas dos dorminhocos" e autorizava a sesta durante o Verão. Além disso, o primeiro salmo do dia devia ser recitado lentamente, a fim de permitir que os retardatários apanhassem os companheiros. Recomendava-se o silêncio, mas em termos de "espírito de taciturnidade", e não de completa mudez; de facto, existia uma sala especial, com uma lareira acesa no Inverno, onde os monges conversavam. Igual consideração para com os monges se verificava no fornecimento do vestuário, simples mas limpo, que incluía uma muda do hábito e da túnica interior. S. Bento não desejava imitar o ascetismo extremo das sociedades monásticas do Egipto ou da Síria. No entanto, os banhos, excepto para os doentes, eram desaconselhados como luxo exagerado. De acordo com a sua imutável rotina, os Beneditinos viviam e trabalhavam em obediência absoluta ao seu abade. Eram eles que o elegiam, mas a partir de então a sua autoridade era total e vitalícia. Era o abade quem deliberava sobre a faceta privilegiada do mosteiro — se este deveria primar pela santidade austera, pela cozinha ou pela erudição. No interior das suas paredes maciças, que nenhum cristão ousaria atacar, os mosteiros possuíam bibliotecas nas quais se conservou intacta grande parte da herança literária da Antiguidade durante os séculos em que a Europa foi assolada por invasões e guerras intestinas.
Na realidade, a segurança, tanto económica como física, que os mosteiros ofereciam às respectivas irmandades deve ter constituído um dos seus principais atractivos. Século após século, tanto os Beneditinos como os monges de outras ordens religiosas viveram sem temer a fome, a guerra ou o desamparo. E reconfortava-os sempre a ideia de que, no fim, tinham maiores probabilidades de salvação do que os camponeses ou os cavaleiros, que viviam apegados às coisas mundanas.
                                  Texto retirado da Enciclopédia “Ao Encontro do Passado de Selecções" do Reader’s Digest.




          A arte, muito dispersa entre manifestações culturais divergentes, apenas conheceu no século VIII alguma coerência na definição de um estilo de representação designado por Carolíngio, excepção possível na unidade do império centralizador de Carlos Magno, rei dos Francos, império que depois se desmembrou nos reinados dos seus sucessores por acção das invasões dos povos normandos e húngaros. Só no século X uma outra tentativa unificadora dos reis da Alemanha, Otão I, Otão II e Otão III, criaria um outro estilo artístico a que a História chamou de Otoniano.

 


 
O IMPÉRIO CAROLÍNGIO.


           Carlos Magno ampliou o Reino Franco por meio de uma política expansionista.
A Igreja Católica, representada pelo Papa Leão III, vai coroá-lo imperador do Sacro Império Romano no Natal do ano 800, pois:
  • necessitava de ver a sua autonomia restaurada por alguém cuja autoridade fosse incontestada; 
  • queria o reconhecimento da sua soberania temporal sobre o Estado pontifício confirmado por um governante superior a todos os outros;
  • pensava fazer de Carlos Magno o imperador de todo o mundo cristão, incluindo Bizâncio, a fim de lutar contra a heresia iconoclasta e de estabelecer a supremacia do papa sobre toda a Igreja.   
      A coroação de Carlos Magno como Imperador cristão do Ocidente
    • quebrou o laço de dependência legal que havia entre o Papa e os reis ocidentais e o Império Bizantino, visto atribuir a Carlos Magno a qualidade de legítimo herdeiro dos imperadores romanos;
    • restabeleceu, também, o Império Romano do Ocidente, transferindo a dignidade imperial para o rei dos Francos;
    • unificou, ainda, o Ocidente sob o mesmo poder político – o dos Francos – e o mesmo poder espiritual – o do Cristianismo e dos papas de Roma.
     
            O vasto Império Carolíngio será administrado através das Capitulares, um conjunto de leis imposto a todo o Império. O mesmo será dividido em províncias: os  Condados, administrados pelos condes; os Ducados, administrados pelos duques e as Marcas, sob a tutela dos marqueses. Condes, Duques e Marqueses estavam sob a vigilância dos Missi Dominicifuncionários que em nome do rei inspecionavam as províncias e controlavam seus administradores. Os Missi Dominici atuavam em dupla: um leigo e um clérigo.
            No reinado de Carlos Magno a prática do benefício (beneficium)foi muito difundida, como forma de ampliar o poder real. Esta prática consistia na doação de terras a quem prestasse serviços ao rei, tendo para com ele uma relação de fidelidade. Quem recebesse o benefício não se submetia à autoridade dos  missi dominici . Tal prática foi importante para a fragmentação do poder nas mãos de  nobres ligados à terra em troca de prestação de serviços - a origem do FEUDO.
     
    Renascimento carolíngio

              Na época de Carlos Magno houve um certo desenvolvimento cultural, o chamado Renascimento Carolíngio, caracterizado pela promoção das atividades culturais, através da criação de escolas e pela vinda de sábios de várias partes da Europa, tais  como Paulo Diácono, Eginardo e Alcuíno - monge fundador da escola palatina.



              Este "renascimento" contribuiu para a preservação e a transmissão de valores da cultura clássica ( greco-romana ).Destaque para a ação dos mosteiros, responsáveis pela tradução e cópia  de manuscritos antigos.

     
    Biografia: São Bernardo (1090-1153):  o cristianismo monástico.
             


              S. Bernardo, monge de Cister, reprovava nos monges de Cluny o seu amor pelos prazeres terrenos, designadamente pela forma como cultivavam a iconografia patente nos frescos, nos tímpanos, nos capitéis, nos claustros – «aquela ridícula monstruosidade». Por isso, atualizou a antiga condenação das aparências do mundo apresentada por S. Bento. Defendendo uma austeridade irrepreensível, baniu todas as decorações da arquitetura dos mosteiros e privilegiou a reta e o plano, em detrimento da curva, supostamente sensual.
              A “reforma cisterciense” de S. Bernardo preconizou, assim, uma arte quase iconoclasta. Nos mosteiros que a ordem de Cister construiu por toda a Europa está presente uma sobriedade extrema e a exclusão de todo o supérfluo decorativo ou opulência arquitectónica. A interdição da cor significou o desaparecimento dos frescos e a predominância da pedra à vista em paredes, pavimentos, portais e janelas, contribuiu para o ambiente de despojamento, austeridade e severidade pretendido por S Bernardo.
     


    A renovação da Igreja
     
              A Igreja Católica conheceu algumas dificuldades nos séculos X e XI: as situações de indisciplina de membros do clero eram frequentes. Por outro lado, à frente das abadias e dos bispados mais ricos eram colocados elementos da nobreza, mesmo sem preparação religiosa, nomeados pelos monarcas e até pelos grandes senhores.
            No movimento com vista a renovar e disciplinar a Igreja Católica, tiveram um papel fundamental duas novas e bem organizadas ordens religiosas de origem beneditina: a ordem de Cluny e a ordem de Cister.
           Os monges de Cluny (ou cluniacenses) valorizavam, sobretudo, a oração e as práticas litúrgicas (as várias cerimónias religiosas) que deviam, segundo eles, ter a maior dignidade e esplendor.
           Os monges de Cister (ou cistercienses), liderados por Bernardo de Claraval, opunham-se à ostentação e ao luxo. Defendiam edifícios despojados, cerimónias austeras e o princípio de que a alimentação dos monges devia provir do seu trabalho. Dedicavam-se, por isso, ao trabalho manual e ao cultivo da terra.


              Bernardo de Claraval (que mais tarde viria a ser declarado santo) nasceu numa família nobre e rica da Borgonha (França), em 1090. Com vinte e poucos anos, ele e outros jovens nobres, decididos a isolar-se do mundo, entraram como monges no mosteiro beneditino de Citeaux (Cistercium, em latim; Cister, em português). Bernardo distinguiu-se pela austeridade da sua vida, pelo espírito de iniciativa e pela capacidade intelectual (escreveu importantes obras de carácter religioso, em prosa e verso). Deve-se-Ihe a fundação de um novo mosteiro (Claraval) que teve grande importância na expansão da sua ordem religiosa, a Ordem de Cister, cujos mosteiros se espalharam por toda a Europa.

              Em Portugal, o mosteiro cisterciense mais importante foi o mosteiro de Alcobaça, centro de uma intensa atividade agrícola que tornou a região onde foi fundado numa das mais prósperas do País.



           Monge da ordem beneditina, Bernardo de Claraval defende a humildade e o desprendimento em relação aos bens materiais. Impõe um programa que recusa o excesso decorativo dos elementos arquitetónicos e a decoração escultórica e que apresenta a sobriedade, a simplicidade e a depuração estruturais como características dominantes.

    Reação de Bernardo ao monaquismo (exemplos):

    • reage contra o excesso de riqueza da maioria das comunidades monacais;

    • rejeita o mundo profano;

    • mística que desconfia da beleza exterior;

    • religiosidade fundada na contemplação da beleza da alma;

    • censura a ostentação do clero e dos templos e o excesso de rituais;

    • defende uma inteligência feita de amor, mais do que de erudição.

    Materialização do ideal (exemplos):

    • defende um quotidiano pautado pela oração, meditação e trabalho para a comunidade;

    • defende o sacrifício em nome da fé: elevação do espírito pela mortificação do corpo;

    • valoriza o sentimento, a fé, a vontade ética e o amor, que conduzem à ascese mística;

    • opõe-se ao ensino da Escolástica e, de uma maneira geral, ao debate do texto religioso.



    Consequências estéticas (exemplos):

    • recusa o excesso nas decorações escultóricas (critica a decoração dos capitéis do românico, como exemplificada no texto) e nas alfaias religiosas dos conventos, mosteiros e igrejas, sustentando a austeridade dos paramentos e dos altares;

    • a arquitetura religiosa deve refletir simplicidade e abnegação: depuração arquitetónica nos capitéis, arcos, molduras e frisos;

    • impõe-se a sobriedade do conjunto, sem interferência de peças escultóricas fora do contexto, para evitar a dispersão da atenção dos fiéis.







    Ação de Gregório, o Grande

              No fim do século VI, foi escolhido como papa, pela primeira vez, um monge. Foi Gregório, o Grande, o qual apoiou o movimento monástico e reorganizou a Igreja.

              Por sua iniciativa, desenvolveu-se a missionação: fundaram-se mosteiros ou foram enviados missionários para as zonas rurais menos cristianizadas ou mesmo totalmente pagãs. Dessa forma, foram cristianizadas a Grã-Bretanha e a Irlanda, de onde, no século VIII, saíram, por sua vez, os monges que evangelizaram as regiões da Germânia situadas a leste do rio Reno.
             O Cristianismo ultrapassava, assim, os limites do tradicional mundo romano e tornava-se um importante fator de unidade na Europa Ocidental.
     
    O canto gregoriano
               O canto gregoriano é uma oração cantada, em que a palavra é superior à nota musical. Este canto, também conhecido como canto chão, foi implementado pelo papa Gregório Magno (na imagem ao lado) no ritual cristão no séc. VI – daí lhe advém o nome.

               As principais características do canto gregoriano são:
    • as melodias são cantadas em uníssono (monódico), sem predominância de vozes, ou seja, rigorosamente homofónico;
    • de ritmo livre, sem compasso, baseado apenas na acentuação e na palavra;
    • cantado "à capella", isto é, sem acompanhamento de instrumentos musicais;
    • as letras são em latim, retiradas dos textos bíblicos, sobretudo salmos.
    S. Gregório Magno, iluminura do século XII
                Numa época em que a voz do sacerdote não possuía qualquer auxiliar, o canto desempenhou funções ministeriais: exprimia a oração de forma mais suave, favorecia o caráter comunitário da mesma e conferia amplitude e solenidade à palavra das escrituras e aos ritos. Derivado dos cantos da sinagoga judaica, e provavelmente também influenciado pelas músicas grega e romana, o canto gregoriano é uma música monódica ( que possui uma melodia) , de ritmo livre, destinada a acompanhar os textos latinos retirados da Bíblia, enquadrados no sistema diatónico.


     A arte românica

              Trata-se do primeiro estilo internacional da Idade Média - resultou das influências da arte romana pagã, do Oriente bizantino e das artes germânicas dos invasores.
             A rápida expansão deste estilo artístico ficou a dever-se ao clima de maior estabilidade e segurança, à reorganização administrativa, ao desenvolvimento do comércio e das cidades, às Cruzadas e ao incremento das viagens e deslocações.
            O aumento da fé e do temor religioso quando da passagem do ano Mil, levou também ao incremento das peregrinações, cujos principais destinos eram Santiago de Compostela, na Galiza, Roma e Jerusalém. Desta forma se foi desenvolvendo o românico com os seus variados regionalismos, com o surgimento de mosteiros e igrejas por toda a parte –encomendadas principalmente pela igreja, mas também pela realeza e aristocracia.
             
              Numa sociedade essencialmente rural e feudal, o monaquismo foi o principal elemento de actividade e desenvolvimento artístico e cultural. Outros fenómenos importantes foram as peregrinações e a Guerra Santa desencadeada pelas Cruzadas contra os “infiéis” a Oriente (islâmico e bizantino), levando à descoberta de padrões de vida mais desenvolvidos.

              A arte românica desenvolveu-se entre os sécs. IX e Xll, dando sequência ao renascimento carolíngio e otoniano verificado nos finais do milénio na Europa setentrional. Foram, sem dúvida, as novas condições económicas e políticas que favoreceram uma autêntica explosão de obras grandiosas, austeras e misteriosas, carregadas de uma intensa espiritualidade e devoção de uma sociedade dominada pela fé no amor de Cristo.
              Os progressos técnicos e o relativo desenvolvimento económico, resultante da  dinamização da agricultura e a a consequente redução da fome e explosão demográfica em toda a Europa, assim como a guerra contra os infiéis (fonte de riqueza importante), aliados às viagens peregrinações, contribuiram para uma unidade artística e cultural do mundo românico.

      
    A arquitetura românica conheceu edifícios com funções distintas:

    · igrejas para sacerdotes e os fiéis,

    · mosteiros para os monges e abades

    · castelos para os senhores feudais.
     







    Estrutura do mosteiro românico
     
      O mosteiro românico possuía:
    um claustro porticado, que consistia num pátio interior, rodeado de colunas, que servia de deambulatório para os monges, à volta do qual se encontravam a igreja; a sala do capítulo, o refeitório, a cozinha, os dormitórios e um espaço reservado para falar.
    áreas externas à clausura, onde se incluíam as oficinas, a horta, a enfermaria, os estábulos, o cemitério, a hospedaria, a casa do abade, a escola e o “scriptorium” e biblioteca.


     
    A igreja românica, significado dos seus diversos espaços e suas caraterísticas funcionais e físicas.
     
              No final dos séculos XI e XII, na Europa, surge a arte românica cuja estrutura era semelhante às construções dos antigos romanos. 
              A arquitetura românica, de linhas sóbrias e com uma forte carga simbólica, pretendia acima de tudo manifestar o poder absoluto de Deus. A igreja constitui, neste contexto, a representação de toda a Criação divina sobre a Terra. A planta de cruz latina (alusão simbólica à imagem de Cristo na cruz), a cobertura em abóbadas de canhão e as naves laterais em arcadas de meio ponto, constituem os elementos principais, com a cabeceira (lugar do altar) e o portal (espaço para esculturas e baixos-relevos).

          Principais características que definem o estilo românico:
    • edifícios de aspeto pesado, muros maciços, pequenas janelas, contrafortes;
    • preocupação com aspeto defensivo (torres, merlões e ameias...);
    • uso de arcos de volta perfeita e de abóbadas de berço;
    • plantas de esquema longitudinal (planta de cruz latina), basilical, com cabeceiras complexas e transepto desenvolvido;
    • 3 ou 5 naves (se forem grandes igrejas de peregrinação).
     
     O mosteiro, “cidade de Deus” -  relação entre a vida monástica e a organizaçåo do espaço arquitectónico.
              A extensa rede de mosteiros beneditinos e cluniacenses espalhados pelo território europeu foi um importante fator de difusão e uniforrnização de um sistema cultural e artístico. Para além de lugares de recolhimento, de tratarnento de mendigos e de acolhimento de peregrinos, os mosteiros converteram-se em importantes centros culturais (mercê das suas bibliotecas e da actividade nos scriptoria) e em ìnfluentes centros de poder político e económico.
              Na sua actividade diária, os monges dividiam-se entre a reza, o estudo na biblioteca, a cópia de manuscritos e as tarefas quotidianas. Daí a complexidade estrutural de um mosteiro, que compreendia espaços como a igreja e o claustro, a sala do capítulo, a cozinha e o refeitório, os dormitórios, a biblioteca e o scriptorium, os estábulos e as oficinas, etc.

    O papel do monaquismo no desenvolvimento cultural e artístico do Românico.

              As ordens religiosas desempenharam um papel fundamental, não só na conceção como na difusão do modelo românico. Difundidas através da expansão monástica pelo território europeu, as técnicas e as formas românicas acabaram por resultar numa plástica homogénea e fundada em conceitos coerentes semelhantes.

    A importância económica das abadias, ao modificarem o seu espaço circundante, fazendo o arroteamento de matas, a secagem de pântanos, ao aplicarem e experimentarem novas técnicas agrícolas e ao incentivarem a criação de ofícios artesanais, foi essencial para a conformação de uma Europa que viria a emergir com o Renascimento. Também muito importante foi a sua obra de assistência social, com a fundação de albergarias onde se acolhiam pobres e peregrinos, ou de asilos e enfermarias onde era praticada a ainda incipiente medicina medieval, praticamente baseada na crença dos benefícios das sangrias.

    
    Abadia de SaintMarti del Canigó, Pirenéus Orientais, Roussillon, França, séc. XI

    Igreja de S. Pedro de Rates

                A Igreja de S. Pedro de Rates,inscrita numa zona rural, remonta aos finais do século IX, a uma igreja de um mosteiro beneditino. A ordem de Cluny, a quem esta construção foi doada, no século XI, por  Conde D. Henrique e D. Teresa, seria responsável, nos séculos XII e XIII, pela construção românica aí edificada.




              A fachada, assimétrica, apresenta um pórtico bem dimensionado e franqueado por dois robustos contrafortes, estruturado em cinco arquivoltas assentes em colunelos profusamente decorados.
     
                                                 ESTRUTURA ARQUITECTÓNICA
    a planta é em cruz latina;
    as três naves têm cobertura em madeira;
    o transepto tem uma abóbada de berço;
    a abside tem uma abóbada de berço quebrada;
    os dois absidíolos têm uma abóbada de berço;
    as paredes são reforçadas por contrafortes;
    os pilares são cruciformes;
    possui três portais – Oeste, Norte e Sul;
    a volumetria é horizontal e fechada;
    o aspecto é maciço, rude e simples.
    PORTAL PRINCIPAL – TÍMPANO

              No tímpano, Cristo em Majestade, envolvido por mandorla mística, é ladeado por dois profetas que espezinham simbolicamente duas figuras – Judas e  Ario –, um tema de influência oriental e raro no panorama românico europeu.





     
    O ROMÂNICO E AS ARTES PLÁSTICAS
     
    A escultura
     
              É na escultura, talvez ainda mais do que na arquitetura, que melhor se manifesta o espírito românico. Tanto a escultura como a pintura foram colocadas ao serviço do Cristianismo, desempenhando uma importante função na difusão e explicação da sua doutrina.
             
              A escultura renasceu como meio determinante para explicitar a mensagem que a arquitetura só por si já continha. Neste sentido, a escultura é parte integrante e inseparável da arquitetura, completando o seu programa. Concebidas em funçäo desses espaços, as figuras estabelecem uma relaçäo de integração perfeita com a arquitetura: as imagens não se organizam em função de fórmulas naturalistas, mas adaptam-se às formas arquitetónicas geométricas e submetem-se a esquemas de natureza abstrata.

              A escultura românica atingiu a sua expressão máxima nos portais e tímpanos, lugares de eleição para a explanação da retórica da fé cristã.
              Numa perfeita simbiose entre arquitetura e escultura, os temas da iconografia românica incidiram sobre a manifestação da glória de Cristo nos seus momentos culminantes e exemplares: Cristo como Juiz do Universo, a Virgem Maria, a vida de Deus-Homem, passagens dos Evangelhos, episódios das vidas dos santos, etc. Com o objetivo de transmitir o pensamento fundamental cristão, o artista românico procurou uma clareza narrativa e expressiva facilitadora da interpretação da “narrativa visual”.

     A pintura
     
              A pintura românica, e particularmente a iluminura, desenvolve-se como um “texto visual”. Como afirmou Gregório I, o Grande — papa de 590 a 604 — "a imagem é a escrita dos iletrados".
              A lgreja inaugurou uma ‘pedagogia da imagem” que foi decisiva no desenvolvimento da arte medieval. A necessidade de representar o invisível e o inefável resultou numa desmaterialização da imagem e na adoção de uma linguagem convencional que afetou tanto a iconografla como o estilo. Daqui resultou uma plástica assente em esquemas geométricos e movimentos estereotipados, planos bidimensionais e idealmente paralelos ao observador e uma iluminação sobrenatural, constante e difusa.
     
              "Quando Gregório I, O Grande, Papa de 590 a 604, constatando a dificuldade de fazer chegar a palavra de Deus a uma população sobretudo analfabeta, proclamou que a imagem é a escrita dos iletrados, fez dessa imagem, da figuração sacra, um texto para ser lido e entendido por toda a vasta cristandade, desde a regência ao povo - um processo de evangelização que tinha como suporte os muros sagrados dos edifícios de Deus. (…)              Esta abertura fez comungar todo o povo medieval nos ensinamentos sagrados e nos mais simbólicos quadros dos textos litúrgicos, contribuiu para a explosão do riquíssimo léxico figurativo sagrado que se constata no gosto pela diversidade do homem medieval, tão patente no livro figural das paredes das Igrejas e dos Mosteiros."









                                                                                                                 Hugo Lopes, Os mosteiros medievais como edifícios de saber


    
    O Trono de Deus, iluminura do séc XI

              A pintura românica do interior dos templos, colorida e expressiva, tinha um caráter fundamentalmente pedagógico, pretendendo transmitir a mensagem cristã a uma população maioritariamente analfabeta, como que lustrando os sermões e as práticas dos sacerdotes - este será o significado desta ser "a escrita dos iletrados"

             
    Iluminuras ou miniaturas - pintura decorativa, frequentemente aplicada às letras capitulares (no início dos capítulos dos códices de pergaminho medievais). O termo aplica-se igualmente ao conjunto de elementos decorativos e representações imagéticas executadas nos manuscritos produzidos, principalmente, nos conventos e abadias. A sua elaboração era um ofício refinado e bastante importante no contexto da arte medieval. Eram executados pelos monges copistas nos scriptoria dos mosteiros e abadias.

     







     
              A pintura românica é, pois, pedagógica, encontrando-se ao serviço da religião, transmitindo os ensinamentos e os princípios fundamentais da doutrina cristã, visíveis na decoração arquitetónica, articulada com a componente escultórica. Tenta transmitir uma mensagem mais amena do que a transmitida nas esculturas dos portais que representam a salvação ou a condenação das almas. Os fiéis são advertidos, pelas esculturas, das punições a que estarão sujeitos se não se redimirem dos seus pecados.
              Muito provavelmente, as paredes das igrejas estariam revestidas de cores vivas, a fim de suavizar a pesada atmosfera destes templos.
     

    A seriedade e uniformidade dos rostos, as violentas atitudes, o rígido hieratismo e a falta de perspetiva, são caraterísticas desta pintura, que se divide em:








    •Pinturas de grandes dimensões, utilizada na decoração de interiores, principalmente nas igrejas;

    •Pequenas pinturas de ornamento e ilustração de livros: as iluminuras.


                               
     A ARTE ISLÂMICA

               O Islão apresenta uma vida tão simples, prática e completa que, ao longo dos séculos, nunca perdeu a sua atração nem abandonou os princípios fundamentais que o criaram: a existência de um único dogma - um só Deus, Alá, e o seu Profeta, Maomé - e uma única obrigação: a submissão à vontade omnipotente de Alá. Perante Deus, todos os homens são iguais.
              Implantado no seio das tribos beduínas nómadas da Arábia, sem tradição de construções de caráter monumental, a arquitetura islâmica desenvolveu-se a partir dos seus padrões de vida, quer religiosa quer quotidiana. Da mesrna forma, a plástica islâmica reflete o caráter abstrato e imaterial da doutrina religiosa.
     
     
    Contributo cultural islâmico
            O Mundo atual recebeu do Islão grandes contributos, incluindo aqueles que os Muçulmanos colheram numas civilizações e transmitiram a outras.
              Dentro do Império Islâmico, a língua árabe e a religião Muçulmana unificaram povos muito diferentes.
        A Civilização Muçulmana foi o resultado da reunião de civilizações tão ricas como a grega, a bizantina ou a indiana. Reuniu os conhecimentos literários e científicos através da multiplicação de centros de saber, universidades e bibliotecas, e introduziu muitos destes conhecimentos na Europa, através da Península Ibérica.
       Para além de serem grandes intermediários culturais, os Muçulmanos foram ainda grandes investigadores, deixando-nos importantes legados nos campos da Medicina, da Astronomia e da Matemática. Fizeram magníficas criações artísticas, nomeadamente no campo da Arquitetura.
    Maomé foi o fundador de uma nova religião – o Islão ou lslamismo, que proclamava a existência de um único Deus: Alá. Maomé, de acordo com o Islão, era o último profeta de Deus, no seguimento de Abraão, de Moisés ou de Cristo, e a revelação da palavra divina encontrava-se no livro sagrado do Corão.
          O Império Muçulmano no século VIII vai ser ainda maior, geograficamente, do que o Império Romano tinha sido. O seu governo é entregue a califas, que detêm o poder político e religioso.
          A extensão de tão vasto Império vai permitir aos Muçulmanos o domínio das principais rotas comerciais do Mundo.
     
    A Mesquita

              Os espaços principais de uma mesquita são o pátio (sahn) e a sala de oração (haram). Acentuando a continuidade de um espaço indiferenciado e horizontal (exprimindo o espírito igualitário do lslão), numa das paredes do haram situa-se a qibla, uma parede frontal às naves que indica a direcção de Meca; sobre a qibla, situa-se o mirab, um nicho vazio que simboliza a presença do Profeta, numa emanação de Alá. No centro do pátio há a assinalar um templete que cobre a fonte das abluções (sabil) e, erguendo-se sobre uma das paredes do recinto sagrado, o minarete (alminar), uma torre que constitui o único elemento destacado e apontando ao céu, destinada a referenciar o espaço sagrado e a partir da qual se chamam os fiéis para a oração.
              No que se refere à arquitetura islâmica, a mesquita é o edifício mais importante.

          
    Arte Islâmica
     
    Através dos tempos, culturas e religiões, de um modo geral, fizeram uso de imagens figurativas para transmitir a essência das suas convicções.
    Para o Islão, no entanto, a arte figurativa assume aspectos de idolatria, motivo porque se serviu de palavras ou letras, em formas e tamanhos diversos, para a transmissão dos seus princípios religiosos. Os Muçulmanos passaram a usar a arte da caligrafia como expressão religiosa, e, no decorrer do tempo a arte da escrita (epigrafia – ciência das inscrições) tornou-se  uma arte muito respeitada.
    Este aniconismo da arte islâmica – é uma arte divorciada de qualquer relação com o mundo visível – relaciona-se, talvez, com o nomadismo das tribos beduínas, impedidas de desenvolverem atividades artísticas como a pintura, a escultura e a arquitetura.
          Esta limitação fê-los desenvolver a poesia dos contos, transmitidos de geração em geração pela tradição oral. A palavra assumiu um valor idêntico ao das imagens na tradição cristã e a caligrafia (forma artística da escrita) um caráter iconográfico, já que substituía as imagens.
     
              A caligrafia é a mais sublime das artes islâmicas e a expressão mais típica do espírito muçulmano. "O teu Senhor - revela o Alcorão - ... Ensinou com o cálamo, ensinou ao homem o que ele não conhecia.” Como Deus, por intermédio do anjo Gabriel, falou em árabe e as Suas palavras foram escritas em árabe, a língua e a escrita são consideradas tesouro inestimável por todos os muçulmanos. Só entendendo-as os homens poderiam esperar compreender o pensamento de Deus. Os muçulmanos não podiam ter uma missão mais importante que a de conservar e transmitir tesouro tão valioso. E o fizeram com toda a perfeição de que foram capazes.
          A arte islâmica distinguiu-se pelo rico cromatismo, pelos efeitos ilusórios e por uma plástica subordinada à doutrina religiosa que excluía toda e qualquer representação do Mundo.
              O recurso à figura geométrica, à forma abstrata, à caligrafia e ao arabesco caracterizou uma arte conceptual cuja única “imagem” era a essência do Universo.
    A cidade islâmica
     A aparente confusão que caracteriza a cidade árabe não é apenas consequência de uma vida nómada cristalizada sob a forma de cidade, mas também de uma civilização, crenças e formas de vida islâmicas que se exprimem em maior grau na cidade.
    A cidade islâmica é a soma de um determinado número de crentes (não de um determinado número de cidadãos – como a cidade clássica). A cidade islâmica é uma cidade secreta, uma cidade que não se vê, não se exibe, que não tem rosto.
    Como tudo se constrói de dentro para fora, a rua – espaço coletivo – perde o seu valor estrutural. Isto dá à rua um caráter intimista que está de acordo com o caráter secreto da cidade.
         Uma rua contínua, aberta, é obrigatoriamente exibicionista, coisa que repugna o Muçulmano – que prefere o segredo, que não se saiba o que está por detrás. A igualdade apregoada pela religião de Maomé tem aqui um papel importante. Assim, o Muçulmano é recatado para não ferir os seus irmãos – a primorosa fachada da sua casa será erguida num pátio interno para sua íntima contemplação.
    Por tudo isto, a cidade muçulmana é uma cidade secreta, indiferenciada, sem rosto, misteriosa e recôndita, profundamente religiosa, símbolo da igualdade dos crentes perante o Deus Supremo.








    Angelin Preljocaj - “Anunciação”
               O reputado coreógrafo francês de origem albanesa, Angellin Preljocaj, apesar da sua formação clássica, tem realizado um trabalho excecional no campo da dança contemporânea, tornando-se o  mais premiado coreógrafo europeu. O ballet Preljocaj tem trabalhado com companhias como o Ballet da Ópera Nacional de Paris, London Contemporary Dance, Ballet de Munique, New York City Ballet, entre outras.
              O tema religioso da Anunciação, tantas vezes explorado ao longo da história da arte, é aqui tratado por Angelin Preljocaj através da linguagem da dança contemporânea em apenas 20 minutos, ao som de fragmentos do Magnificat, de Vivaldi, e da percussão de Stéphane Roy.
             Esta reinterpretação, por dois bailarinos, de uma obra sagrada, plena de espiritualidade e ao mesmo tempo de sensualidade, é como que um processo de humanização do sagrado, revelando a revolta e a submissão, a angústia e a aceitação por parte da Virgem do destino que lhe fora traçado.



    1 comentário: