segunda-feira, 18 de março de 2013

 



          As intervenções plásticas  da estação de metro do Rato, em Lisboa, aberta ao público em 1997, são da autoria de Vieira da Silva  (de 1970) e Arpad Szènés, em transposição para azulejo por Manuel Cargaleiro.

        Ville en Extension” ou “Cidade em crescimento“: a cidade é, sempre, um crescimento de gentes, de habitações, de equipamentos, de espetáculos,…
        Ao redor do século XII os campos viram crescer, dentro e fora das muralhas, as concentrações humanas, habitacionais e oficinais chamadas "cidade". Nelas tudo cresceu na diferença económica e social e na afirmação política e lúdica.
       Esta composição de Maria Helena Vieira da Silva, sugestionada pelo poder gráfico da azulejaria, tão própria de Lisboa - entendida como “cidade-azulejo”, - ilustra, sobretudo, o conceito de cidade-rede, de intrincadas imbricações, na sua densa ortogonalidade. Cidade-malha, espessa de vida que se “sente”, pulsando por artérias e praças (cheios e vazios), que alastra “em extensão” e que, simbolicamente, se duplica nessa outra cidade-malha, subterrânea, que a rede do metropolitano configura.
Ville en Extension”, de Vieira da Silva, de 1970, transposta para azulejo por Manuel Cargaleiro.
 


Nova conjuntura económica da Europa Cristã do século XII ao XIII
          Um dos aspetos essenciais do grande progresso do Ocidente após o ano Mil é o desenvolvimento urbano, que atinge o seu apogeu no século XIII.
          A cidade modifica o Homem medieval. Restringe o seu círculo familiar, mas alarga a rede de comunidades em que ele participa; no centro das suas preocupações materiais coloca o dinheiro (...). Na cidade o dinheiro é rei. A mentalidade dominante é a mentalidade mercantil, a mentalidade do lucro. (...). Se consegue vencer na vida não se envergonha, porque na cidade o trabalho é apreciado (...) a riqueza obtida por processos honestos é louvada.
                                                                                Jacques Ie Goff, O Homem Medieval, Presença

        Nos séculos XII e XIII a Europa conheceu um período de ressurgimento económico. Para este ressurgimento da economia contribuíram um conjunto de fatores, tais como: a melhoria das condições climáticas, o clima de paz e os progressos técnicos na agricultura e nos transportes.
        A agricultura tornou-se mais produtiva, as pessoas passaram a alimentar-se melhor e, como consequência, houve um aumento da população. Este aumento demográfico obrigou à ocupação de novos espaços e conquista de novos territórios. O próprio movimento das Cruzadas é por vezes explicado neste contexto de expansão do território.
       Neste período verificou-se um ressurgimento do comércio e das cidades, assim como das atividades artesanais. A paz que se vivia na Europa e os progressos nos transportes facilitaram as trocas entre cidades e permitiram a realização de feiras. O desenvolvimento do comércio monetário e dos mercados e feiras, conduziu ao aparecimento de atividades ligadas às finanças e a desestruturação do antigo sistema feudo-senhorial dos séculos anteriores, levando ao desenvolvimento da burguesia - os burgueses são os habitantes do burgo, livres das redes pessoais feudais. Eram artesãos, mercadores, lojistas, letrados.
 

      Dá-se o aumento das escolas e o nascimento das Universidades – a nova mentalidade laica/não religiosa e individualista dos negócios e do lucro necessita de novos saberes, de um conhecimento mais profundo e pragmático das artes - trivium e quadrivium, que suplantam os saberes dos mosteiros e das suas escolas monacais ou monásticas.
        As universidades,  marcadas pela filosofia escolástica – ora de tendência idealista e mística, ora racional e naturalista – esta última liderada por S. Tomás de Aquino, que tentava conciliar fé e razão, defendendo que a verdade teológica se podia alcançar através da razão.

 

                  S. Tomás de Aquino
 

A Cultura cortesã
 
               Politicamente, verificou-se a progressiva centralização do poder real e o consequente enfraquecimento do sistema senhorial ou feudal.
     Os reis vão agora rodear-se de uma corte de nobres, eclesiásticos e grandes burgueses, apreciadoras de um novo estilo de vida mais cortesão e pacífico onde o luxo e a ostentação se começaram a instalar, valorizando-se a cultura e as boas maneiras, desenvolvendo-se um certo mecenatismo cultural e artístico.
 
 

        Atividades culturais das Cortes europeias da Baixa Idade Média - séculos XII-XV: Caçadas, jogos, torneios, literatura, música, dança, teatro, festas, saraus…


         Assim, fruto da paz e da prosperidade económica, a época gótica foi também época de suavização dos costumes e da mentalidade, facto para o qual a Igreja muito contribuiu, instituindo um novo código de cavalaria, que fazia do guerreiro um paladino da paz e da justiça, em nome de Deus.   
        Nobres e eclesiásticos cultivaram o conforto e o luxo (na habitação, no vestuário e na mesa) a par do prazer e da diversão. Estes compunham-se quer de jogos guerreiros, como justas, torneios e caçadas onde, em tempo de paz, se exercitava a mestria física, quer de saraus palacianos constituídos por banquetes, bailes, declamação de poesia, sempre acompanhadas por música e representações teatrais de carácter religioso ou laico, postas em cena por atores ambulantes ou estudantes e confrades que, com o tempo, foram formando as primeiras companhias profissionais.  
        Estas práticas tiveram um importante papel cultural, doutrinal e pedagógico. Por um lado, incentivaram os artistas criando, inclusive, as primeiras práticas de mecenato. Por outro, a assistência a estes saraus foi um meio de desenvolver o intelecto e a mentalidade, facto comprovado no aumento do número de letrados e do hábito da leitura individual, promovendo o aparecimento de novos géneros literários, como os romances de cavalaria, as narrativas de viagem e até o romance sentimental.









          Nestes meios cortesãos — entre os quais se destacavam já, pela pompa e brilho, as cortes régias — começaram a gerar-se novas negras sociais, pautadas por uma apresentação física mais cuidada e pela maior civilidade e cortesia no falar e no agir.


— representações teatrais — autos e entremeses;
— poesia trovadoresca — as cantigas de amigo, de amor e de maldizer;
— textos em prosa — romances de cavalaria.

 
Jograis nas Cantigas de Afonso X, o Sábio

Cavaleiros em Justas, Século XV, (1443). Fonte: BNF, MS. 13467 FL. 29, Paris, França.


         A “cantiga de amor” era a poesia dos trovadores provençais, que foram os grandes mestres da poesia europeia. É uma poesia culta, rica em vocabulário, em que o poeta exprimia os seus sentimentos amorosos, desenvolvendo o ideal de amor cortês, prestando homenagem à mulher.
        No século XIII, a crónicas escritas - que sintetizavam cantares épicos - e os romances de cavalaria passaram a estar na moda, sendo a leitura predileta de nobres e burgueses. As aventuras da procura do Santo Graal, com as lendas relativas ao rei Artur, na defesa da Bretanha invadida pelas Anglo-saxões, despertavam grande interesse.
 
 
               A Cidade Gótica
 
 
            O espaço urbano é circundado por muralhas, com altas torres de vigia, fora das quais se encontra o arrabalde, local onde se fixam os ofícios poluentes e ruidosos, e o termo, espaço circundante de campos e aldeias. Possui vulgarmente uma planta irregular, que se distribui organicamente, com ruas sinuosas e irregulares que se adaptam ao terreno, e algumas vezes uma planta regular, de malha ortogonal, ao estilo romano.
        Organiza-se à volta da praça do mercado –  símbolo das atividades económicas –, da câmara municipal – símbolo das atividades administrativas – e da catedral – símbolo do poder religioso. As principais construções são os Palácios, casas de nobres e de burgueses, que são o símbolo do orgulho cívico e a imagem do poder e da riqueza da cidade; as Catedrais, que são a afirmação do domínio técnico da época e da capacidade empreendedora da cidade, para além da manifestação de uma forte devoção religiosa da população; e as Torres das câmaras municipais, que assinalam simbolicamente o lugar e servem de vigia ou atalaia.
 


 Carcassonne

Casamento de Frederico III com D. Leonor de Portugal

Locais em que decorreram as festas do casamento de Frederico III com D. Leonor de Portugal e seus elementos constitutivos:
          Entre 13 e 25 de outubro de 1451 decorreram, em Lisboa,  as comemorações do casamento da Infanta D. Leonor, irmão do rei D. Afonso V, com Frederico III, imperador da Alemanha, descritas numa reportagem colorida, viva e pormenorizada feita por Nicolau de Valckenstein. Várias encenações decorreram por toda a cidade, obrigando o público a deslocar-se para poder assistir a todas estas demonstrações de poder do rei de Portugal.
Locais: Castelo de S. Jorge, Rossio, Sé, palácio real e pavilhão no centro da cidade de Lisboa.
Elementos constitutivos: jantar, danças, jogos, cortejos, representações, espetáculos, bênçãos, discursos, tourada, folguedos, matança de touros, distribuição de carne, cantares, festim real, festa popular, caçadas, dádivas, ofício…












                             O letrado Dante Alighieri

          Dante Alighieri nasceu e viveu em Itália entre o final do século XIII e o início do século XIV. É considerado um dos maiores poetas de todos os tempos. A sua maior obra literária é A Divina Comédia, um poema de cariz épico e teológico que constitui o culminar do modo medieval de ver o mundo e a base da língua italiana moderna.
        A obra está dividida em três partes: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso, que são na teologia medieval os três lugares para onde a alma pode ser enviada após a morte. No poema Dante faz numerosas referências à situação política do seu tempo, em Florença.
        Ascendendo através do Inferno e do Purgatório até ao Paraíso, o poeta é guiado nas primeiras etapas pelo poeta pagão Virgílio e, no fim, pela sua amada Beatriz. Apesar de enraizado na tradição poética clássica, A Divina Comédia é um poema cristão.
          Dante escreveu toda a sua obra em verso e em língua italiana, o que, na época, foi extremamente inovador já que a língua escrita era, por excelência, o latim. Ao fazer isto, cortou com a tradição medieval e contribuiu para o aperfeiçoamento da língua materna e da literatura italiana.



 
 

        Na Pintura a fresco de Domenico de Michelino, que se encontra na Catedral de Florença, estão representados dois dos aspetos mais importantes da vida de Dante: a forte ligação à sua cidade natal, Florença, e a escrita da obra que o imortalizou - A Divina Comédia. A pintura mostra, de facto, a concepção medieval do cosmos, baseada na omnipresença da religião, que estrutura todo o seu poema.
 
 
 
O Gótico
 
 
           O Gótico foi um estilo artístico que dominou a arte europeia entre os séculos XII e XV. Irradiou do norte de França e, embora se tenha desenvolvido nas várias artes (escultura, pintura, vitral, ourivesaria, etc.), permaneceu essencialmente ligado à arquitetura. Nasceu na Île-de-France, perto de Paris, pelas mãos de Suger, o Abade de Saint-Denis.












        No século XII, este novo estilo artístico, a que, mais tarde, os escritores do Renascimento chamaram de gótico, porque o consideravam um estilo confuso, desorganizado, como próprio dos godos — isto é, bárbaro — viria a difundir-se por toda a Europa.
 
         No século XIX, investigadores vieram demonstrar a originalidade e importância estética deste estilo arquitetónico.











nova estética introduzida por essas inovações:

- Aumentou a altura das abóbadas

- Pilares e colunelos mais delgados

- Acentuação da verticalidade

-  Espaços internos mais amplos

- Paredes libertas do seu papel de suporte, passando a delimitar e proteger espaços

- Interiores iluminados (melhor aproveitamento da luz) devido aos vitrais



                                                                         Sainte-Chapelle, Paris, França (1245-1248)
          Enquanto a Catedral de Amiens pertence ao Gótico Clássico, a Sainte-Chapelle corresponde ao Gótico Radiante.
 
Fases do Gótico
 
O nascimento do estilo gótico
          O nascimento do estilo gótico, mais que o seu desaparecimento, pode ser definido
cronologicamente com clareza, nomeadamente no momento da reconstrução da Abadia real de Saint-Denis sob orientação do abade Suger, entre 1137 e 1144.
          O estilo gótico é afirmação de uma nova filosofia, impregnada de simbolismo: Suger, que é fortemente influenciado pela teologia de Pseudo-Dionísio, o Areopagita, aspira a uma representação material da Jerusalém Celeste. A luz é a comunicação do divino, do sobrenatural, é o veículo real para a comunhão com o sagrado - através dela o homem comum pode admirar a glória de Deus e melhor aperceber-se da sua mortalidade e inferioridade. Fisicamente a luz vai ter um papel de importância crucial no interior da catedral, vai-se difundir através dos grandes vitrais numa áurea de misticismo e a sua carga simbólica vai ser reforçada pela acentuação do verticalismo. As paredes, agora libertas da sua função de apoio, expandem-se em altura e permitem a metamorfose do interior num espaço gracioso e etéreo.

          Como igreja matriz do bispo e da cidade, a catedral, ou sé, era a casa de Deus na cidade dos homens e, por isso, devia refletir com rigor as conceções e crenças religiosas da época, ajudando a difundir nos fiéis a imagem do Reino dos Céus, ao qual todos pretendiam ascender, respeitando a fé e os seus preceitos.













           A catedral foi o símbolo das cidades e o motivo de orgulho dos seus habitantes; ela era obra de todos, expressão da comunidade que via na beleza e grandiosidade dela o reflexo da sua vitalidade e afirmação económica, política e social. Todos participavam ativamente na sua construção (os mais pobres, como artesãos e serventes de vários ofícios) ou para ela contribuíam com doações várias (os mais ricos, como os bispos, os nobres, os mestres das corporações e os grandes mercadores).
           As catedrais foram, assim, páginas vivas do Catecismo da Igreja Católica, onde, em imagens de pedra e de luz-cor, o crente penetrava nos«mistérios» da Fé e poderia, pela ascese mística, elevar a sua alma até Deus.

 

Catedral de Notre Dame de Amiens:
 
 
  Fachada, cabeceira e portal:

  A fachada de Amiens divide-se em cinco partes:

  1.ª - os habituais três portais no primeiro nível, mas aqui extremamente profundos;
  2.ª - a primeira galeria;
  3.ª - a galeria dos reis - figuras com 4,5m de altura;
  4.ª - a rosácea, com vitrais do século XVI;
  5.ª - as torres, concluídas nos séculos XIV e XV.
 
          Na catedral gótica a cabeceira – área que inclui o coro, o altar-mor, a abside, o deambulatório e os absidíolos ou capelas radiantes – tornou-se mais complexa, ocupando cerca de um terço da área total da igreja. A de Amiens tem uma cabeceira com sete capelas radiantes/absidíolos.
          O portal é uma das componentes essenciais da catedral gótica: correspondendo à “Porta do Céu”, a sua iconografia representa a glorificação de Cristo e Maria, aos quais se juntam, por vezes, os Apóstolos e cenas do Juízo Final em figuras humanizadas e expressivas. O portal de Amiens, extremamente decorado, é o expoente da escultura gótica, sendo dedicado ao “Juízo Final”, a S. Firmino, primeiro bispo de Amiens e à virgem Maria.

 
1.Capelas radiantes;
2.Deambulatório;
3.Capela-mor e Altar;
4.Coro;
5.Corredores do coro;
6.Cruzeiro;
7.Transepto;
8.Contrafortes ou Botaréus;
9.Nave central;
10.Naves laterais;
11.Portais.












A – Nave central;
B – Nave lateral;
C – Pilar cruciforme;
D – Arco quebrado ou ogival;
E – Abóbada de cruzaria de ogivas;
F – Fecho da abóbada;
G – Contraforte ou botaréu;
H – Arcobotante;
I – Rosácea e janela com vitrais.









 




Diferenças entre a escultura gótica e a românica
      
 










          A escultura teve uma importância excecional no exterior, desde os pórticos aos arcobotantes, cobrindo-se os capitéis de folhagem cada vez mais naturalista. As figuras esculpidas são autênticas estátuas, aproximando-se em proporções, gestos e atitudes do natural, representando principalmente a Virgem, Jesus e cenas religiosas.
        Os escultores góticos também trabalharam o marfim, quer em objetos de caráter religioso, quer em objetos de carácter profano

        Relativamente ao Românico, a escultura gótica registou uma evolução, sobretudo ao nível da composição, da expressividade, da monumentalidade das suas obras e da progressiva aproximação ao real, assumindo um carácter mais naturalista e desenvolvendo novas capacidades expressivas – para além da representação fiel do corpo humano e do tratamento naturalista das roupagens/vestes, que muitas vezes revelam as formas anatómicas do corpo, o rosto humaniza-se, a cabeça inclina-se e os olhos ganham vida, tudo em movimentos expressivos até então desconhecidos.
          Ela autonomiza-se em relação à arquitetura, como demonstram as esculturas de vulto redondo, as estátuas jacentes e os retratos, e ao conquistar o seu próprio espaço ela atingiu uma concepção mais plástica, mais dinâmica e “verdadeira”.
         Uma das principais inovações relaciona-se com a organização do portal da catedral: as ombreiras ou jambas são substituídas por estátuas-coluna que se prolongam nas arquivoltas em torno do tímpano.
  
 






         Tendo conquistado o seu próprio espaço, a escultura atingiu uma concepção mais plástica, mais dinâmica e «verdadeira». Uma das obras paradigmáticas desta renovação é a Morte da Virgem, do tímpano da Catedral de Estrasburgo. Aqui, a dificuldade de adaptação das figuras ao espaço arquitetónico, implicando nalguns casos a representação parcial das figuras, é compensada pela delicadeza com que os Apóstolos tocam o corpo da Virgem e pela emoção que se manifesta nos seus rostos.   Também a forma como são tratados os cabelos e as pregas das roupas, evidenciando a anatomia dos corpos, é inovadora e faz-nos lembrar a arte clássica.
 


 
          A Anunciação e a Visitação, esculpidas nas jambas do pórtico ocidental da Catedral de Reims (...) libertaram-se da arquitetura para se converterem em esculturas de vulto redondo, firmemente apoiadas no solo, continuando um caminho iniciado em Chartres. Privilegiando uma aproximação ao mundo físico, as pregas da roupa deixam transparecer as anatomias que cobrem e, especialmente na Visitação, o escultor parece dominar completamente o modelo clássico.
Púlpito do batistério da catedral  de Pisa,
1460, mármore, 4,65 m
 

A Itália
 
  Na escultura, as principais alterações foram introduzidas por uma família de escultores de Pisa, Nicola Pisano (1220-1284) e seu filho Giovanni Pisano (1245-1314), nos púlpitos que fizeram para as catedrais de Pisa, Siena e Florença, respetivamente.
  Nessas obras, as figuras apresentam uma proporção anatómica, e um perfeito tratamento das vestes. A  composição ganha realismo e expressividade pela gradação de planos e interação dramática das personagens.
Púlpito da catedral de Siena
 





A PINTURA GÓTICA
 
1. O Gótico substituiu a pintura mural pela pintura sobre madeira – retábulos, painéis, quadros, etc. e pelo vitral e revelou uma tendência para a representação naturalista.
2. Três técnicas principais desenvolvidas pela pintura gótica.
          As três técnicas principais da pintura gótica foram o vitral – decoração transparente formada por fragmentos de vidro pintado, fixados numa rede de chumbo –, o retábulo – composição que reveste a parede por detrás do altar, em madeira (baixos-relevos, tronos, painéis, etc.) – e a iluminura – decoração pictórica de manuscritos pela têmpera (processo em que os pigmentos são misturados com água, ovo e goma ou cola).
3. Consequências da doutrina de S. Francisco de Assis nas artes plásticas.
         Ao pregar a igualdade de todos perante Deus e ao romper com as cadeias a que se prendiam os dogmas cristãos medievais, S. Francisco motivou um novo olhar sobre a Natureza, permitindo aos artistas voltarem-se para o mundo físico e interessarem-se pela sua representação exata e fiel.
4. Diferenças que se verificaram na representação de Cristo com o Gótico.
         Com o Gótico, Cristo deixa de ser a imagem de um homem vivo, vestido e sem manifestar qualquer sensação de dor, para ser a imagem humana de um Cristo padecente (sofredor), praticamente nu, de corpo arqueado em sofrimento e que fecha os olhos em sinal de aceitação da morte.
 O vitral
           O aparecimento do vitral está ligado à arte gótica, pois os painéis de vidrocolorido, que preenchiam janelas e rosáceas, substituíram as pinturas murais do Românico. A luz que entrava nas igrejas, filtrada pelos vitrais, propiciava um ambiente místico e celestial que traduzia fielmente o espírito religioso da época.

          Os temas eram fundamentalmente religiosos, mas, tal como a escultura, associados a cenas dos ofícios (todas as profissões estavam aí representadas) e a cenas onde figuravam personagens reais, como reis, nobres e bispos - geralmente os que, com as suas doações, haviam financiado a produção dos painéis. Assim, os vitrais exerceram na arte gótica uma função, simultaneamente decorativa, doutrinal, simbólica e documental.

    

 

           A Iluminura
          Após o apogeu do vitral a iluminura de manuscritos volta a assumir o papel principal na representação pictórica que vinha já desde o românico, mas no seu repertório formal passam-se a encontrar referências à arquitetura que até aqui eram muito limitadas. Por um lado as figuras estão integradas num ambiente arquitetónico de fundo onde são evidentes os traços do gótico, por outro lado as figuras exibem um tratamento volumétrico com as mesmas expressões graciosas e posições sinuosas da decoração escultórica da catedral. No entanto, a profundidade e a perspetiva são ainda muito básicos, em grande parte pela contribuição dos contornos a negro das figuras que fazem lembrar as uniões num vitral e que as remetem para um plano bidimensional.          
          Esta adopção dos elementos do gótico dever-se-á em grande parte à transposição da produção da iluminura dos mosteiros para as oficinas dos centros urbanos onde o gótico habita. Na última metade do século XIV, a influência dos mestres italianos no norte europeu é forte e a iluminura ganha uma estrutura espacial mais harmoniosa.
       
         
 
                          Livro de Horas de Dom Duarte: São Francisco de Assis recebe os estigmas   
 
 
 
 
  O retábulo
 
          Nesta época registou-se um grande desenvolvimento da pintura móvel, como é o caso dasiluminuras e dos retábulos (painéis de madeira pintados, usados como cenários para os altares das igrejas ou capelas e oratórios das casas mais ricas).
         O desenvolvimento económico e o gosto pelo luxo fizeram crescer as encomendas, levando ao aparecimento do chamado “estilo internacional” que se caracterizou:











 
pelo realismo dos rostos e formas;
por um tratamento mais correto do espaço, (cenários arquitetónicos ou paisagísticos);
por um colorido mais rico e intenso;
portemáticas essencialmente religiosas, mas tratadas com pormenores de atualidade nas vestes e nos cenários.
 
Neste novo contexto artístico começaram a sobressair alguns nomes como:
irmãos Pol de Limburgo, nas iluminuras,
Melchior Broederlam, Stefan Lochner e Gentile da Fabriano, entre outros, nos retábulos.



A pintura dos retábulos marcou a última etapa do gótico. A escola flamenga destacou-se neste tipo de pintura, pela expressividade do seu modo de pintar a óleo, pela minúcia da representação e pela expressão mística das figuras


Melchior Broederlam  - Retábulo para Felipe, o Atrevido
        Pintor flamengo que pertenceu ao gótico internacional. Refinado e subtil, influenciado por  Jan van Eyck, as uas paisagens são espaçosas e amplas, em tons verdes e castanhos, que contrastam com as figuras, vestidas em tons vermelhos e azuis.
                           Giotto – A Adoração dos Magos
         Na pintura, as primeiras inovações registaram-se num grupo de pintores da região da Toscana: Cimabue (1240-1302) e Duccio di Buoninsegna (1255-1318/19) que iniciariam essa renovação; e Giotto di Bondoni (1267-1337) que lhe deu plena expressão
          Estes pintores toscanos, principalmente Giotto, cortaram com a tradição bizantina, procurando o naturalismo pela racionalização da representação, sempre enquadrada em cenários naturais ou arquitetónicos, ainda que ingenuamente captados.
          Outras inovações: individualização dos rostos, das posturas e dos gestos e, principalmente, da massa volumétrica transmitida aos corpos pelo melhor tratamento do claro-escuro.




Cimabue, Maestà (Maria em Majestade, com o Menino ao colo e rodeada de anjos) na Galeria dos Ofícios
           Embora ainda sejam nítidas as influências bizantinas,  já é dotada de doçura e serenidade. Além disso, o pormenor das vestes e uma modesta – mas evidente – utilização da perspetiva no Trono de Nossa Senhora sinalizavam uma nova expressão pictórica.
 

          Duccio di Buoninsegna -  Explorou melhor a perspetiva, desenvolvendo, de modo esplêndido, tanto a tridimensionalidade como a Volumetria e iniciando uma pequena revolução nestes domínios, de que é prova sua Maestà, pintada para a Catedral de Siena.

A Flandres

            Na região dos Países Baixos, principalmente na zona da Flandres também em franco desenvolvimento económico e social em finais da Idade Média, se verificou o florescimento da arte, sobretudo da pintura - no primeiro quartel do século XV.
            A pintura flamenga (da Flandres), ligada ao espirito do Gótico final no gosto pelo colorido vibrante, pelos dourados dos retábulos e ainda pelo simbolismo religioso foi todavia inovadora a vários níveis:
na invenção da pintura a óleo, que daqui irradiou para Veneza e outras cidades italianas (segunda metade do século XV) e, depois, para o resto da Europa. Segundo se pensa, os irmãos Van Eyck, Hubert e Jan, teriam sido dos primeiros a utilizá-la;
no interesse pela realidade quotidiana, patente na pormenorização dos cenários naturais ou de interior e das vestes, penteados, objetos...;
na prática do retrato, fruto do individualismo burguês dos flamengos.

            Assim, por via do empirismo e do interesse pelo quotidiano vivido, os pintores flamengos atingiram objetivos idênticos àqueles que os pintores italianos procuraram pela via do racionalismo técnico.
          Os melhores representantes desta pintura foram Rober Campin, conhecido por Mestre de Flêmalle (1378-1444), os irmãos Van Eyck, Rogier van der Weyden (1400-1464) e Hugo van der Goes, entre outros.

Rogier van der Weyden, Descida da Cruz, 1436
 
Jan Van Eyck, O casamento dos Arnolfini,  1434
 
 
 
 
Alegoria do Bom Governo. Efeitos do Bom Governo na Cidade, 1337 - 1340, de Ambrogio Lorenzetti (c. 1290 - 1348), Siena, Palácio Público, Sala dos Nove, Siena.


O que interessa saber:
  Como se caracteriza, técnica e esteticamente, a linguagem artística desta composição?
          Esta obra insere-se na tradição pictórica da Escola da Toscânia, a que pertenciam Giotto e Duccio, de que Lorenzetti colheu ensinamentos, apesentando uma linguagem técnica que busca a verosimilhança, procurando retratar com exatidão a cidade e as suas gentes nos seus afazeres.
  • Como é a cidade que nela se representa?
        Siena era uma cidade tipicamente medieval, com o seu denso casario dentro de muralhas, ponteadas de portas, abertas para o campo circundante, verosímil no seu cenário e nas suas personagens
  Que objetivos, ou intenções, terão presidido à encomenda desta obra? Porquê?
        Esta obra, encomendada pelos governantes da cidade - a burguesia comercial e financeira, o Conselho dos nove – pretendeu promover a sua governação, conseguida à custa da revolução comunal com que expulsaram os nobres da cidade.
       Ela passa-nos uma mensagem de reflexão política, mostrando-nos os efeitos de uma boa governação. A cidade transforma-se, assim, no espelho do seu governo.











O Gótico em Portugal
          O gótico desenvolveu-se tardiamente em Portugal devido às guerras da Reconquista e da independência, assim como pela forte implantação do românico no Norte do País, região mais cedo estabilizada. Ao contrário do que acontecera na restante Europa, em que se caracterizou por ser uma arte essencialmente urbana e de catedrais, no nosso país foi mais rural e de mosteiros.
          A arte renascentista teve o seu maior desenvolvimento cm Itália. Em outros países europeus, como Portugal, os séculos XV e XVI ficaram marcados, sobretudo, pela permanência de formas e modelos da arte gótica.
          A maior concentração de arte gótica em Portugal situa-se em Santarém, com o Convento de S. Francisco, igrejas de Sta. Clara e da Graça, entre outras. O Mosteiro da Batalha e o Mosteiro de Alcobaça são considerados os monumentos mais notáveis do Gótico português, ambos classificados como património mundial, inserindo-se o primeiro no gótico flamejante.
         O gótico português está também representado nos elementos decorativos e nas pedras tumulares. Os túmulos de D. Pedro e de D. Inês de Castro, em Alcobaça, e de D. Filipa de Lencastre, na Batalha, destacam-se como belos exemplares do Gótico europeu.
                     Túmulo de D. Pedro, em Alcobaça

Túmulo de D. Inês de Castro, em Alcobaça
                                       
O Manuelino
          No reinado de D. Manuel I desenvolveu-se em Portugal um tipo de decoração arquitetónica que ficou conhecido por arte manuelina. Trata-se de um estilo decorativo aplicado a edifícios de estrutura gótica.
Os elementos decorativos mais utilizados no Manuelino são:
naturalistas — raízes, troncos, folhagens;
marítimos — boias, redes, conchas, barcos, cordas;
símbolos nacionais — a esfera armilar, a cruz da Ordem de Cristo e o escudo real.
          Os principais edifícios do Manuelino são o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém, em Lisboa, parte do Convento de Cristo, em Tomar, e o Convento de jesus, em Setúbal. Existem muitos mais, sobretudo portais de igrejas, como as de Freixo de Espada à Cinta, Caminha, Zurara, etc.

Igreja da Conceiçao Velha, Lisboa
 





A Peste Negra
        A Peste Negra foi uma epidemia mortífera que grassou na Europa em meados do século XIV.
        Surgiu na China, em 1340. Em 1346, seguiu a rota da seda e chegou à Península da Crimeia (no Mar Negro). Foi daí que os genoveses levaram a epidemia nos seus navios para várias cidades do Mediterrâneo, espalhando-se depois por toda a Europa e pelo Norte de África, semeando o pânico, o terror, a miséria e a morte. Em Portugal, a peste entrou em 1348, no reinado de D. Afonso IV.
        As suas principais consequências foram a elevada mortalidade (terá eliminado entre um terço e metade da população europeia), o que provocou desequilíbrios na cidade, no Estado, nas fronteiras sociais e implicou a transferência de populações entre aldeias e regiões, modificando os circuitos comerciais e criando novos-ricos, e o medo e desespero profundos entre as populações.

         O século XIV europeu foi dominado pela chamada "trilogia negra", ou seja, a atuação conjunta de três factores, fomes, pestes e guerras, que inverteram a tendência de crescimento vinda dos tempos anteriores e provocaram uma taxa de mortalidade elevadíssima e a estagnação na economia.

         De facto, o forte crescimento demográfico dos séculos XII e XIII sofre um retrocesso devido aos maus anos agrícolas no início do XIV, generalizando a fome e a mortalidade; os organismos debilitados pela má nutrição e as condições de higiene da época facilitam a propagação de doenças e a ocorrência de mais mortes. A peste que atingiu a Europa entre 1347 e 1350, embora com diferenças regionais, provocou a morte a mais de 1/3 dos seus habitantes e instalou um clima de desespero coletivo.

Ao nível das mentalidades e dos comportamentos coletivos, esta crise, e em particular a Peste Negra (que se pensava ser um castigo de Deus devido aos pecados dos Homens), instalaram um ambiente de incerteza, insegurança e angústia face à inevitabilidade da morte através do reforço da religiosidade e devoção populares:

Øpráticas coletivas de penitência, as chamadas procissões dos flagelantes;

Øexaltação dos bens materiais, estimulando o gosto pelo luxo e festividades;

Øna literatura, a proliferação dos chamados Ars Moriendi [Arte de Morrer], ou seja, tratados que ensinavam a bem morrer;

Øna música é muito divulgado o hino Dies Irae [A Ira de Deus], composto na 2.ª metade do século XIII, associado às missas dos defuntos;

Ønas artes, a chamada arte macabra, na qual a morte de Cristo e a descida ao túmulo são temas constantes, além das xilogravuras que representam a morte armada de gadanha, o cadáver comido pelos vermes e as danças macabras, e na pintura a fresco o triunfo da morte sobre todos, independentemente do estatuto social de cada um.

 
 
 
 
               A morte armada de gadanha, ceifando as vidas de toda a população;
  Dança macabra em pintura a fresco do Palácio dos Papas, em Avignon, século XIV.
 

Enterramentos coletivos no século XIV, na sequência da Peste Negra, segundo iluminura da época.

 
 
Procissão de flagelantes - Livro de Horas do duque de Berry


Estátuas jacentes nos túmulos de Ricardo Coração de Leão e sua esposa, Isabel de Angoulême, na igreja abacial de Fontevraud, 1200-1260.









O Gótico - textos síntese

A arte românica exprimira-se sobretudo na igreja e através das ordens monásticas, particularmente a Ordem Cluniacense que não deixou de crescer e representou, nos sécs. X e XI, os valores espirituais e o motor próprio de uma sociedade de características feudais. A partir do séc. XII, e com o renascimento das cidades, a eclosão gótica manifestou-se desde logo na catedral, igreja urbana e sede do bispo, que, assim, se autonomizava em relação ao poder do rei de quem dependeu ao longo de séculos. Coube ao monge cluniacense Suger, abade de Saint-Denis, amigo do rei e quase tão poderoso quanto ele, desencadear um movimento de grande amplitude pela nova conceção da sua igreja, resplandecente e sublime. Este novo espírito de igreja urbana opunha-se, contudo, ao do monge S. Bernardo, outra figura emblemática da primeira metade do séc. XII, que insuflou um fervor religioso, austero e iconoclasta ao monaquismo cisterciense. Mas, se Cluny se opôs a Cister, não podemos ignorar a importante contribuição desta última para a difusão do modo gótico na Europa; o gótico cisterciense preferiu as formas mais simples, a ornamentação moderada e abstrata.

O desenvolvimento das cidades, do comércio, das indústrias artesanais e da economia favoreceu a eclosão de uma arquitetura urbana e de uma arte privada. A catedral é, para além da ousadia técnica e empreendedora do homem medieval, o esforço supremo de uma sociedade em busca de Deus. No séc. XII, o novo estilo concretiza-se n’Ele. Por outro lado, a sociedade manifesta uma tendência para a laicização e a consequente secularização com repercussões na representação divina: mais humanizado, ao Cristo-Rei e Pantocrator majestático oriental, sucede o Cristo-Salvador do homem. As formas, as composições, os temas e as características gerais a que devia obedecer a linguagem gótica eram determinadas pelos teólogos da Igreja e concretizadas na catedral, no seu espaço, nas suas esculturas, na sua ornamentação e nos seus vitrais. Fundamentalmente, o Gótico considerava a arte como uma escrita sagrada que devia obedecer aos valores canónicos da Igreja e a uma linguagem simbólica, que conduzia à interpretação de verdades mais profundas.

Nas estátuas de figuração humana conseguiram-se, provavelmente, as mais belas realizações. A estatuária, desenvolvida desde logo como estátuas-coIuna, manifesta uma tendência para se destacar da parede e conquistar uma autonomia que a aproxima da estatuária antiga. A partir do séc. XIII, ela perde a sua rigidez, adquire movimento e expressão. As vestes libertam-se do corpo e os rostos, tristes ou alegres, apresentam-se personalizados. A escultura gótica desencadeou uma renovação formal, plástica e estética muito significativa. Para além de se aproximar de uma representação realista do corpo humano e do tratamento naturalista das roupagens que muitas vezes revelam as formas anatómicas do corpo — e, neste sentido, já distantes dos corpos diáfanos do Românico —, os membros movimentam-se, a cabeça inclina-se, o rosto humaniza-se e os olhos ganham vida, tudo em movimentos, gestos e impulsos expressivos até então desconhecidos. A arte gótica atingiu resultados plásticos prenunciadores de uma época de renovação estética, artística e cultural.
 
          A catedral de Reims, em França, 1211 -1299. A evolução que nos conduz do românico ao gótico decorre de um problema mais complexo que a simples distinção entre arcos: o arco de volta inteira e o arco quebrado. A iluminação da nave, com implicações simbólicas e teológicas, tornou-se na questão principal; a catedral, imagem do corpo de Cristo, deve ser iluminada. Mas não se trata de uma luz banal e visível. A luz que irradia pelas naves e na cabeceira deve ser à imagem da luz divina. Segundo o abade Suger, “Deus é Luz e o interior da Sua igreja prefigura Jerusalém Celeste, cujas paredes (de acordo com o texto do Apocalipse) são construídas de pedras preciosas”. Esta é a função do vitral, deixar entrar a luz e, também, operar uma transmutação revestindo-a de imagens magníficas e cores deslumbrantes, correspondentes às qualidades da alma e das essências espirituais.

             O modo gótico formula-se entre a depuração formal imposta por S. Bernardo e a nova ordem estética implementada por Suger, abade de Saint-Denis. Os cistercienses renunciam às formas escultóricas, à cor e à representação das ideias, valorizando o ascetismo e a pureza formal que devia incitar à harmonia e à contemplação do que é imutável e eterno. Os cluniacenses orientaram-se para a sublimação dos sentidos, convertendo a casa de Deus” num espaço magnânimo elevado para o Céu e aspirando à transcendência da existência terrena. Fatores sociais e económicos (o ressurgimento das cidades e o crescimento do comércio) converteram o gótico numa arte urbana e expressão de uma cultura e de uma sociedade que descobria os prazeres mundanos, os amores idílicos, a contemplação estética e a criação artística.
 
              As inovações técnicas ficaram a dever-se tanto à adoção do arco quebrado e à abóbada de cruzaria de ogivas como sistemas construtivos, quanto ao espirito de rivalidade entre as cidades, que motivou os arquitetos a ousar superar tudo o que até então tinha sido alcançado. O arco quebrado e a abóbada de cruzaria de ogivas funcionam como um esqueleto de pedra, podendo ser preenchidos com materiais leves, enquanto os seus impulsos são descarregados nas nervuras e conduzidos aos pilares, aos arcobotantes e aos contrafortes, que conduzem essas cargas ao solo.

             A Catedral de Notre-Dame de Paris é um dos primeiros exemplos da importância que os novos edifícios religiosos viriam a ter no novo contexto social e cultural.

O traçado reflete a estrutura e as disposições concebidas por Suger, bem como a aplicação dos conceitos de ordem geométrica, harmónica e de proporção. A monumentalidade das suas dimensões, os arcobotantes descarregando sobre os contrafortes, os janelões do clerestório, a leveza da estrutura e a acentuada verticalidade tornam Notre-Dame numa referência do Gótico Clássico. Quanto à fachada, com o portal e a grande rosácea flanqueados por duas torres, encontra-se repleta de intervenções escultóricas, quer decorativas quer figurativas, numa cumplicidade expressiva que marcou esta linguagem.

             A inovação mais significativa que a escultura gótica apresentou relaciona-se com a organização do portal do templo. A começar pelas ombreiras ou jambas, que são substituídas por estátuas-coluna, prolongando-se nas arquivoltas em torno do tímpano e refletindo-se, igualmente, nos temas e na iconografia que, se bem que continuando a encontrar a sua inspiração no Novo Testamento, apresenta um tratamento das figuras mais humanizado e expressivo. Os motivos de ordem religiosa representam Cenas típicas de “Cristo em Majestade”, do “Juízo Final’ e da “Virgem em Majestade”, aceitando também a inserção do santo patrono da igreja no tímpano inscrito numa mandorla, no centro de cenas da sua vida e acompanhado pelos santos da diocese nas obreiras ou nas estátuas-coluna.

 
                Para além da arquitetura, as conquistas mais significativas alcançadas pelo Gótico situam-se na escultura e na representação da figura humana. A estatuária, começando por integrar-se na arquitetura como estátuas-coluna nas jambas, apresenta uma tendência para se destacar do seu suporte e conquistar uma autonomia que a aproxima da estatuária da Antiguidade. Ela perde a sua rigidez e ganha expressão e movimento. As vestes libertam-se dos corpos e os rostos apresentam-se tristes ou alegres, mas sempre individualizados. A escultura gótica pode definir-se como um momento de equilíbrio entre o carácter monumental e a observação naturalista, entre um tratamento estilizado e a tendência para o realismo. Tendo conquistado o seu espaço próprio, a escultura atingiu uma conceção mais plástica, mais dinâmica e “autêntica”.


               Partindo da maneira greca, Giotto rompeu com a tradição medieval da representação, formulando uma nova linguagem plástica baseada na observação e na “visão racional” e objetiva das coisas e da Natureza. Giotto foi pioneiro na “conquista da realidade”, concebendo as cenas como uma “caixa espacial” e antecipando, desta forma, o rigor geométrico da perspetiva renascentista. Por outro lado, a modernidade da sua pintura revela-se na humanização das suas figuras e na valorização plástica dos ambientes e dos elementos que o compõem.